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Afastada sucessão trabalhista em caso de tabelião substituído por interventora que dispensou escrevente por justa causa

Para o juiz, a interventora, que assumiu o posto de forma provisória, interina e precária, agiu em defesa do patrimônio e da imagem do cartório, pois ficou comprovado que o escrevente recebeu pela lavratura de documentos públicos sem fazer repasses ao caixa.

A Justiça do Trabalho mineira descartou a existência de sucessão trabalhista em caso de titular de cartório que, após sofrer processo administrativo disciplinar e intervenção por parte do Ministério Público Estadual, foi afastado provisoriamente e substituído por interventora designada por decisão judicial.  A sentença é do juiz Neurisvan Alves Lacerda, titular da 3ª Vara do Trabalho de Montes Claros, que ainda confirmou a dispensa por justa causa de escrevente, realizada pela interventora.

Trata-se de ação ajuizada pelo ex-empregado, que já trabalhava no Cartório de Notas da Comarca de Montes Claros/MG, antes da intervenção estatal, ou seja, quando ainda estava sob a responsabilidade do antigo tabelião. Após este sofrer processo disciplinar e ser afastado por intervenção estatal, foi substituído por interventora, que dispensou o trabalhador por justa causa.

Além de outros direitos trabalhistas que alegou terem sido descumpridos ao longo do período contratual, o escrevente pretendia a declaração de nulidade da dispensa, com o pagamento das verbas próprias da rescisão sem justa causa. Pretendeu também o recebimento de indenização por danos morais.  Sustentou que a dispensa por justa causa decorreu do exercício abusivo do poder disciplinar, razão pela qual seria nula, além de gerar danos morais passíveis de reparação. Alegou a configuração de sucessão trabalhista, sustentando que a interventora teria sucedido o antigo tabelião e, dessa forma, ela deveria responder pelos créditos trabalhistas reconhecidos na ação.

Justa causa mantida

Mas, ao analisar as provas documental e oral produzidas no processo, o magistrado concluiu pela legalidade da dispensa por justa causa realizada pela interventora, por constatar que o escrevente incorreu em atos de negociação habitual, desídia, indisciplina, insubordinação (artigo 482, incisos “c”, “e” e “h”, da CLT).

Documentos comprovaram que ele recebeu dinheiro de usuários do cartório, referentes a pedidos de lavratura de escritura, mas não repassou para o caixa do cartório e nem executou os serviços requeridos pelos clientes. As transações irregulares também foram confirmadas por recibos de pagamento assinados pelo trabalhador e por pedidos de providência firmados pelos usuários.

Ficou demonstrado ainda, por documentos, que o escrevente recebeu valores de cliente para lavratura de escritura pública de compra e venda de imóvel, mas não procedeu ao lançamento correto do tipo de tributação e nem recolheu a taxa de fiscalização judiciária, o que levou à devolução do título pelo cartório.

Além disso, o próprio trabalhador admitiu que recebia dinheiro dos usuários, não somente relacionados a emolumentos, mas também a tributos. Ele confessou que recebeu dinheiro de uma cliente, inclusive referente aos emolumentos do registro do imóvel, e não repassou ao cartório, ficando com a quantia em sua gaveta por cerca de dois anos, devolvendo à cliente somente após a intervenção realizada pelo Ministério Público Estadual.

Testemunhas relataram que, antes da intervenção, havia caixas individuais dos escreventes, mas com fechamento diário, ou, no máximo, até o dia seguinte, e transferência do numerário para o caixa geral. Os relatos demonstraram que essa prática era permitida e aceita pelo antigo tabelião, o que mudou por determinação da interventora, que estabeleceu caixa único no cartório.

Uma testemunha confirmou ter ouvido de clientes que o escrevente os encaminhou para a execução dos serviços em outros cartórios e que efetuavam pagamentos a ele, fora do caixa do cartório, no estacionamento de frente, fatos ocorridos depois da intervenção do estabelecimento de clara proibição nesse sentido. Outra testemunha, que trabalhava no cartório desde 1995, garantiu que a interventora proibiu o recebimento de dinheiro pelos escreventes e determinou que todos aqueles que tivessem dinheiro do cartório em seu poder deveriam repassar ao caixa central.

Para o magistrado, as provas apresentadas evidenciaram infração trabalhista grave, capaz de justificar a dispensa por justa causa do empregado. “Se a prática de caixas individuais era aceita pelo antigo tabelião, certamente a apropriação indevida de valores dos clientes não era aceita, a exemplo da modificação do código tributário para apropriação da taxa judiciária, conduta cometida pelo escrevente”, destacou o juiz.

De acordo com o julgador, não houve perdão tácito das infrações, porque a interventora agiu a tempo e modo, tão logo tomou conhecimento das transações e procedimentos irregulares cometidos. Esses atos irregulares, inclusive, foram apurados após a intervenção, quando houve a regularização da serventia determinada pelo juiz diretor do foro, em razão de pedidos de providências e ações judiciais de clientes lesados.

 “O escrevente causou inestimável prejuízo ao cartório, não somente do ponto de vista financeiro com o ressarcimento do prejuízo sofrido pelos clientes, mas também do ponto de vista moral, uma vez que a imagem da serventia restou afetada pelo serviço cobrado e não executado”, destacou o juiz. Na sentença, foi mantida a justa causa aplicada pela interventora e, por consequência, foram rejeitados os pedidos de pagamento das parcelas decorrentes da rescisão imotivada.

Dano moral inexistente

Segundo observou a sentença, o ex-empregado não produziu prova convincente de conduta ilícita capaz de afetar os direitos personalíssimos ou que pudesse ofender a esfera moral ou existencial.

Na conclusão do juiz, a interventora utilizou o poder diretivo e disciplinar, sem abuso ou excesso, para defender o patrimônio e a imagem do cartório, não expondo o trabalhador a nenhum procedimento vexatório. O pedido de indenização por danos morais foi rejeitado na sentença.

Sucessão trabalhista não configurada

Ao decidir o caso, o magistrado descartou a existência da sucessão trabalhista. Nesse quadro, julgou improcedentes os pedidos com relação à interventora e manteve a responsabilidade exclusiva do tabelião afastado, em relação aos créditos trabalhistas do ex-empregado reconhecidos na sentença (salários retidos, 13ºs salários, férias + 1/3, horas extras, FGTS).

O escrevente sustentou ter ocorrido a transferência da titularidade do cartório extrajudicial, com a continuidade da prestação de serviços a favor da interventora, razão pela qual teria se configurado a sucessão trabalhista, nos termos do artigo 10 e 448 da CLT. Alegou que, na qualidade de sucessora do antigo tabelião, a interventora deveria ser responsabilizada pelo pagamento de todas as parcelas trabalhistas reconhecidas na ação. Afirmou que a condição de interina ou interventora não seria bastante para afastar a condição de sucessora.

Mas o juiz explicou que, para a configuração da sucessão, “é necessária a transferência de bens, direitos, ações, ativos e passivos da empresa sucedida para a empresa sucessora”. Pontuou que a alteração na estrutura jurídica do empregador ou mudança de sua propriedade, de fato, não afeta os contratos de trabalho dos empregados, tampouco os direitos por eles adquiridos. Registrou que, nos termos do artigo 448-A da CLT, caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos artigos 10 e 448 da CLT, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. Acrescentou que o parágrafo único da norma legal ainda estabelece que a empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada a fraude na transferência.

Quanto aos cartórios, o julgador registrou que a jurisprudência do TST se consolidou no sentido de que os serviços notariais são exercidos por entes despersonalizados, por meio de delegação do Estado, recaindo a responsabilidade pelos encargos daí decorrentes sobre o titular da serventia, nos termos do artigo 21 da Lei 8.935/1994 (Ag-AIRR-450-63.2019.5.08.0119, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes, DEJT 3/9/2021).

Prova

No caso, a prova produzida revelou que o juiz diretor do foro da comarca de Montes Claros-MG, em 19/9/2019, determinou a instauração de processo administrativo disciplinar em face do tabelião titular do cartório, bem como seu afastamento cautelar até a decisão final do processo. Em seguida, o juiz diretor do foro designou a interventora, que também é parte na ação, para responder pelo expediente do cartório, durante o afastamento do titular e seus substitutos.

Na oportunidade, foi fixada a remuneração da interventora, quantia que, em sua renda líquida, não deveria exceder ao teto remuneratório de 90,25% do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Determinou-se que a interventora quitasse todas as despesas de custeio e pessoal com os valores auferidos da renda bruta mensal da serventia, conforme portaria aplicável ao caso.

Por outro lado, o juiz diretor determinou que a interventora providenciasse o pagamento da metade da renda líquida auferida pela serventia em favor do tabelião substituído, durante o período de seu afastamento, devendo a outra metade ser depositada em conta especial, com correção monetária.

Afastamento provisório do titular

No entendimento exposto na sentença, a situação retratada não configura sucessão trabalhista, uma vez que a interventora assumiu o cartório de forma provisória, interina e precária, somente até a definição do processo administrativo disciplinar, com limitações administrativas, gerenciais e temporais. “A hipótese não se assemelha aos precedentes baseados na saída definitiva do antigo titular (pela morte, desistência, renúncia, etc.), porque se trata de afastamento provisório do titular, ora primeiro reclamado, a depender do resultado das investigações, cujo veredito não se pode antecipar, antes da produção da prova e do exercício do contraditório e da ampla defesa”, destacou na sentença.

Encargo público

O julgador explicou que, na verdade, a interventora está exercendo um encargo público, a pedido do juiz diretor do foro, e não pode ser penalizada pelo exercício dessa missão, que, nas palavras do magistrado, “já é, por sua natureza, muito espinhosa, não se podendo esquecer que ela já é titular de seu próprio cartório, e, se o juiz a designou, foi pela confiança no desempenho do gravoso encargo”.

Foi pontuado que as medidas tomadas pela interventora não foram em nome próprio, mas em nome da serventia, ente despersonalizado a quem responde o titular, que continua sendo o antigo tabelião e réu na ação, até decisão administrativa ou judicial transitada em julgado.

Além disso, o julgador não vislumbrou risco à garantia da execução, uma vez que os créditos do ex-empregado reconhecidos na sentença serão destacados da renda bruta do cartório, sendo considerados como despesas de pessoal. “Saliento que eventual afastamento definitivo do primeiro reclamado e posse de novo titular também não afeta os créditos do ex-empregado, porque, nesse caso, operar-se-á efetivamente a sucessão, ainda que o processo esteja em execução de sentença”, concluiu. Não houve recurso em relação a essa matéria e a interventora não é mais reclamada no processo.

 
 

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Publicado em 27/11/2024 Fonte


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